O vento parecia tornar frágil e instável a plataforma oval que se equilibrava sobre o prédio. Havia dias que tudo estava preparado; a nave em forma de cavalo-aranha, que hospedava os seres que tinham sido construídos e testados na superfície helicoidal do laboratório, estava imóvel no centro do círculo central.

No monitor, as entidades que modelava adquiriam sempre vida depois de descerem do ambiente digital – quando impressas e programadas autonomizavam as suas longas vidas. Havia aves do paraíso, plantas exóticas e uma rara coleção de morfologias híbridas. Considerava-as um complemento do universo; onde a natureza não tinha chegado era acrescida agora pela ciência, pela técnica – mas tudo tinha origem na inventiva poética, costumava comentar.

Sabia que a primeira parte da password dizia respeito à cor exata da nave e os últimos dígitos pertenciam ao volume da asa. Depois de digitalizados não conseguiam desbloquear o acesso àquele estranho aparelho, saído às partes da impressora 3D, que mais parecia ter crescido num bosque fantástico, próprio dos ambientes de animação.

Não era só o seu trabalho de anos que, à beira de levantar voo, estava imóvel no heliporto; eram os sonhos de juventude que em breves dias poderiam ficar perdidos.

Começa assim o livro Um voo para o deserto (Atenas, 1981) de Vassilikos Karagatsis, que deu origem ao último projeto artístico de Jorge Castanho, constituído por esculturas digitais impressas e montadas e por um conjunto de desenhos sobre papel, agora apresentado no Espaço Navegantes, Art Research, na Rua dos Navegantes 58 B em Lisboa.

JC.